sábado, 19 de fevereiro de 2011
Crítica em Berlim ignora brasileiro "Os Residentes"
A participação brasileira no Festival de Berlim, depois da ovação de "Tropa de Elite 2" pelo público e pela crítica, seguiu nesta quarta e quinta-feira, agora divindo ambos os setores. Na quarta-feira, o filme ganhara uma sessão na maior sala do CineStar Sony Center (com 515 lugares), mesma sala onde foram exibidos outros filmes sulamericanos. Todas as sessões foram lotadas, à exceção deste brasileiro.
Parecia que o público já sentia o cheiro do que viria e resolveu evitá-lo. Não houve debandada geral durante a sessão, nem aplausos ou vaias ao final. O que não impediu de o público esvaziar rapidamente o local e não se interessar em ficar para ouvir o que o diretor tinha para dizer, ao contrário do que tem acontecido na maioria das sessões da Mostra Fórum, nas quais o público debate com os realizadores após a exibição.
A sessão para imprensa aconteceu numa sala menor, com quórum inicial de cerca de 200 jornalistas do mundo todo. Ao término, 23 era o exato número de sobreviventes na sala. O longa já havia sido exibido no Festival de Brasília, causando reações de revolta e de alguma defesa. Depois, ganhou o prêmio da crítica no Festival de Tiradentes, em janeiro último.
Descontruindo todos os preceitos usuais de roteiro e montagem, o diretor Tiago Mata Machado criou uma mescla de vídeoarte, teatro e cinema subversivo na qual um grupo de pessoas vive num prédio de sobrevivência temporária e gastam os seus dias ali, discutindo assuntos de cunho político e filosófico ininteligível, proferindo ideias soltas como lunáticos que são.
Filhote desnecessário do enfadonho Julio Bressane, é bem verdade que Tiago faz um cinema ousado, mas ninguém se importa com uma arte sem sentido, com filosofia anarquista de hyppie comunista. Felizmente, esta contracultura ficou para trás e o cinema raramente a utiliza, simplesmente porque não funciona nesta linguagem.
“Os Residentes” não foi criado no nicho artistico ideal. Sua estética, sua trilha, sua direção de arte e sua montagem funcionariam perfeitamente bem como uma videoinstalação, mas como cinema, está fadado a ser exibido apenas em festivais. Diretor e equipe mostraram verdade no que estavam fazendo, mas isso não é suficiente. Talvez com uma bula e muita paciência...
Candidato argentino é o pior do Festival de Berlim
O péssimo dia para a competição do Festival de Berlim em seu sétimo dia contou com a apresentação do longa argentino “Un Mundo Misterioso”, uma bomba inexplicável que fez com que metade dos críticos deixassem a sessão antes do fim e a outra metade o vaiasse com veemência.
Sendo a primeira obra deste festival a ser exibida no antiquado formato 4:3, que não aproveita por completo a tela do cinema e ainda tem suas margens superior e inferior cortadas, o filme testou a paciência dos presentes e os desafiou a ficar até o fim. Eram incontáveis aqueles que se contorciam ou que faziam cara feia durante o filme.
O longa do diretor Rodrigo Moreno começa com um casal acordando. Ainda na cama, a mulher anuncia que precisa de um tempo na relação. Depois de contestá-la, o homem resolve atender o pedido e sai de casa por uns dias. Pronto. Acabou o filme e linguiças começaram a serem enchidas, em 108 infindáveis minutos.
O homem vai em busca de comprar um carro usado, analisa-o, faz perguntas ao vendedor, resolve comprá-lo. Pega a estrada, o carro pifa, pernoita no acostamento. Encontra pessoas, conhece outras mulheres e conversa aleatoriedades por aí. Em uma conversa num sebo, ele pergunta ao vendedor: “O que acontece no fim deste livro”. “Nada, absolutamente nada” é a resposta. “E por que teria de acontecer algo?”, retruca o vendedor. Via-se ali o diretor do filme, já explicando sua pseudo-obra, mas esquecendo-se de dizer também que, neste livro, nada acontece também no começo e no meio.
Mas é numa fala de uma mulher numa casa de jogos que o pensamento coletivo é exprimido: “este lugar me deprime”. Todos na plateia pareciam concordar.
Uma virtude o diretor tem: a coragem. Coragem para vir a Berlim e ser vaiado do jeito que foi. E pensar que muitos desavisados ainda irão assistí-lo, ludibriados pelo cartaz que deverá ostentar com orgulho a logomarca de competidor da Berlinale...
"El Mocito" retoma a ditadura Pinochet
Contestar e pedir por justiça foi o que fizeram os diretores Marcela Said e Jean de Certeau de “El Mocito”, documentário chileno exibido no sétimo de Berlinale. Exibido para uma plateia de cerca de 500 pessoas que lotaram um dos cinemas do festival, o filme foi assistido no mais absoluto silêncio, tão envolvente foi a história do seu retratado.
Jorgelino Vergara foi ajudante de torturadores que trabalhavam para a DINA e a CNI, órgãos repressores da ditadura Pinochet. Adolescente à época, servia cafezinho aos torturadores e fazia pequenos favores, enquanto eles torturavam e executavam pessoas. Marcado na sua comunidade por ter “corroborado” com tais horrores, envelheceu sem nunca ter conseguido um trabalho decente, depois que a ditadura se foi.
“Éramos jovens obrigados a fazer aquilo pela ditadura que servíamos. Você vai me chamar de assassino por isso?”, diz o arrependido personagem, numa fala que abre o filme. “Eu procurava um personagem que fosse sincero com o que fizera na época, mas só encontrava pessoas más e/ou mentirosas. Sentia sempre algo ruim perto delas. Foi então que o nosso pesquisador e nosso assistente, Javier Ignacio Rebollero, encontrou o Jorgelino e percebi imediatamente que ele seria nosso personagem”, conta a diretora Marcela Said, após a sessão.
A equipe do documentário leva o ex-ajudante até um juiz, para que ele veja se é possível conseguir uma indenização, por aquela época ter-lhe deixado traumas profundos e ter sido condenado pela vida por isso. É ali, de frente para o juiz, que ele responde questões esclarecedoras. E é revisitando locais de tortura que ele explica em detalhes como as sessões ocorriam. São depoimentos fortes e honestos.
Este é um dos casos em que a função do documentário extrapola a simples exposição de fatos ou história contada. “El Mocito” teve uma importância nacional e ajudou aquele homem arrependido a se redimir, depois de passar a vida orando, pedindo perdão e acordando todos os dias se forçando a dizer para o espelho que ele poderia ser um homem bom e fazer algo pelos Direitos Humanos. E foi com a ajuda da equipe do longa que ele o fez, num feito que só é revelado na cartela que encerra o documentário.
Esta é uma bela história de arrependimento e redenção, um clamor por justiça e incentivo para que outros pudessem fazer o mesmo pela sociedade chilena.
"Ausente" representa bem a Argentina no Festival de Berlim
O diretor argentino Marco Berger (Plano B) veio a Berlim para apresentar seu novo trabalho, Ausente, pela Mostra Fórum, e causou polêmica ao contar a história de envolvimento entre um menor de idade e seu instrutor de natação.
“A verdadeira questão do filme é analisar a natureza do desejo e a forma que um adulto deveria tomar cuidado quando deparado com tal confusa situação; a intenção não é puní-lo, mas entendê-lo sem julgamentos”, disse o diretor, em conversa com público e crítica após a sessão, expondo uma opinião forte sobre o assunto.
No filme, o aluno Martin machuca o olho durante uma aula de natação. Seu professor, Sebastian, leva-o ao hospital e na saída oferece-o carona, mas o garoto diz ter perdido as chaves de casa e lá não há ninguém para recebê-lo. O professor, vendo-se sem opção, leva o garoto para dormir em sua casa.
Um tom escuro é empregado em toda a fotografia da película. Elipses obscurecem os fatos e a música é usada para ampliar o suspense e deixar claro que algo de errado existe ali. A tensão sexual entre professor e aluno é elevada à máxima potência e instiga. Afinal, o que quer o garoto? É difícil não pensar em qual seria a maneira correta para o professor agir, com razão ou com honestidade.
O que difere o filme dos demais de temas parecidos é que aqui a situação de sedução é invertida. O símbolo do pecado da luxúria é representado pela menor de idade. É ele quem manipula os acontecimentos e confunde o adulto.
Instigante, “Ausente” deixa é de deixar qualquer curioso o suficiente para não piscar até o final. Espera-se que o desfecho seja realmente convincente e o mesmo o é, justamente por surpreender as expectativas. Quando os fatos ocultos pelas elipses começam a ser revelados, é o diretor quem confunde o espectador e o deixa com a pulga atrás da orelha.
O julgamento, cada um que dê o seu (ou não).
Nietzsche é tema de filme em competição na Berlinale
O filósofo Friedrich Nietzsche realmente não serve para ser personagem de filme. Ao menos não pelas mãos dos chamados diretores de filmes de arte. Muita profundidade agrupada resulta em um produto arrogante e autoexaltador.
Foi o que aconteceu no Brasil, quando Júlio Bressane resolveu rodar uma obra intragável – chamada “Dias de Nietzsche em Turim” – só com declamações de escritos do filósofo e foi o que aconteceu com este novo filme do diretor húngaro Béla Tarr, exibido nesta terça-feira (15), em competição no Festival de Berlim.
Depois da exibição de uma obra atual e leve como o também em competição “The Future”, quem se arriscou a conferir este outro competidor levou um balde de água fria. Foi como se a marcha tivesse sido mudada da quinta para a ré, imediatamente.
De fotografia belíssima, em preto-e-branco, e estética de fome próxima a do fotógrafo Sebastião Salgado, “The Turin Horse” retorna a 1889, em Turin. Nietzsche sobe em um cavaldo de transporte e em seguida perde a consciência. Acorda em algum lugar no meio rural e passa a conviver com um fazendeiro e sua filha, um cavalo e uma carroça (!). Do lado de fora da casa rústica, apenas uma ventania assopra.
Acreditem ou não, esta sinopse refere-se a todos os 150 minutos de filme, divididos em dias, que para o espectador podem parecer meses.
Deslocado no tempo, o longa de Béla Tarr talvez encontrasse espaço maior na época em que filme de arte era sinônimo de lentidão e absoluto marasmo.
Cinema para crítico intelectualoide, encontraria “The Turin Horse” lugar na preferência do júri da Berlinale? A resposta, só no próximo sábado (19). É esperar para (não) ver.
Novo filme de Miranda July é o alívio cômico da competição em Berlim
O modo como as pessoas se relacionam e a paralisação que a internet pode causar em seus modos de sentir é o tema de “The Future”, filme em competição no Festival de Berlim. É o segundo trabalho da artista plástica Miranda July na direção de longametragens.
Miranda tem um modo muito particular de ver o mundo e expressa isso em seus trabalhos, recheando suas histórias de pequenos elementos surreais, que podem estar contidos de simbolismos, mas podem simplesmente refletir os loucos pensamentos que cada um tem ao se deparar com situações de tensão ou sensação de deslocamento do mundo.
Em “The Future”, Sophie (a própria Miranda) e Jason (Hamish Linklater) formam um casal insatisfeito com suas profissões e a forma com que a internet parece tê-los engessado. Decididos a sair daquela situação, abandonam seus empregos e decidem realizar simples desejdos, em um mês. Jason quer salvar o meio ambiente e integra uma associação de defensores da árvore, enquanto Sophie resolve que irá criar uma nova dança.
Aos poucos, a relação deles vai se enfraquecendo sem que eles percebam. Encontram válvulas de escape diferente e parecem não querer ouvir a verdade um do outro. Ao contrário do que sugere a sinopse, Miranda suaviza a história com uma direção leve e só deixa o drama tomar conta em momentos muito específicos.
O misto de experimentação e comédia peculiar da diretora ainda é o mesmo da sua estreia em “Eu, Você e Todos Nós”, assim como a trilha sonora é parecida e o elementos “internet” e “deslocamento” voltam a se fazer presentes, só que desta vez ela deixa de lado as várias pequenas histórias para focar em apenas uma, mais complexa do que a primeira.
É uma maneira muito sensível de ver o mundo. Seus personagens agem de maneira tão estranha que constituem um mundo ridículo, deprimente, mas extremamente engraçado. É uma perspectiva diferente de os problemas comuns a muitos outros que os encaram como drama.
Como este seu segundo filme, Miranda July renova o próprio estilo, mesmo repetindo tiques de sua primeira obra. Pode até não ser capaz de levar o prêmio máximo na Berlinale, mas era necessário algo assim, para a aliviar a tensão e desobstruir o esôfago.
Filme iraniano arrebata Berlim e é forte candidato ao Urso de Ouro
Surgiu nesta terça-feira (15) o primeiro fortíssimo candidato ao Urso de Ouro no Festival de Berlim. É “Nader and Simin – a Separation”, filme iraniano dirigido pelo mestre Asghar Farhadi.
Asghar estarreceu a crítica, que o aplaudiu efusivamente ao final da sessão e terá trabalho para descrever em palavras a obraprima que ele apresentou neste festival. Já havia dado uma aula de cinema com seu filme anterior, “Procurando Elly”, e agora retorna com uma obra ainda mais densa, de todo e quaisquer detalhe impecável.
A primeira cena mostra o casal Nader e Simin em frente a um juiz, discutindo sua separação. A mulher quer sair do país e levar sua filha para ser criada em algum lugar onde as regras não sejam tão opressoras quanto no Irã. O juiz não vê motivo para conceder a separação, já que o casal não tem nenhum conflito entre si. Ela (Simin) deixa o lar e o marido precisa contratar uma mulher para cuidar do seu pai, que sofre Mal de Alzheimer. Mas Nader não sabe que a nova empregada não só está grávida como também está trabalhando sem a permissão e consciência do marido.
Depois de alguns acontecimentos, Nader se vê envolvido numa teia de mentiras, manipulações e confrontos públicos.
O diretor constroi uma trama intrigante, usando brilhantemente os elementos que o cinema oferece, colocando elipses no momento certo, diálogos calculados para manter o suspense e só concederem informações no momento certo. A todo momento, surpreende o espectador com novas revelações e o mantém não só atento como tocado por aquela história.
Cada personagem ali é de extrema importância e têm suas ações compreensíveis no contexto da cultura iraniana. Eles mentem pela religião, por medo de Alá (o deus deles), tomam decisões baseados nisso, mentem novamente por medo da sua reputação perante a sociedade ou à família e só aumentam a sua cota de pecados.
Farhadi critica os costumes e a religião do seu país sem precisar ser agressivo. Simplesmente mostra a situação com naturalidade. Se um iraniano assiste ao filme, pode achar tudo completamente normal, mas um ocidental tomará aquilo como crítica, dado o seus conceitos contrários àquelas práticas.
O drama é tão denso que seria cruel dizer que este ou aquele personagem está errado. Cada um nos toca de um forma diferente e à vontade que se tem é de interrompê-los e dizer “pelo amor de Deus, se perdoem, se compreendam”. É difícil conter as lágrimas. A sensação de impotência, de ser um mero espectador, deixa o público com um gosto amargo na boca.
“Nader and Simin – a Separation” é uma obra singular, um modelo de construção de roteiro e personagens e de como se fazer cinema, de como se fazer arte. Que Farhadi se mantenha incólume às leis iranianas e que não aconteça a ele o que aconteceu a Jafar Panahi (condenado a ficar 20 anos afastado do cinema, por supostamente fazer propaganda contra o governo iraniano).
É bom lembrar que Asghar já tem prestígio em Berlim – levou o Urso de Prata de direção em 2009, com “Procurando Elly” - e pode agora ter sua obra definitivamente consagrada. Sua glória pode ser também uma afirmação do clamor do Festival pela liberdade de expressão no Irã. Os concorrentes que se virem para tirar o prêmio de Asghar.
http://www.cinepop.com.br/noticias2/festivaldeberlim2011_105.htm
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